terça-feira, 22 de maio de 2018

Titãs - Doze Flores Amarelas A Opéra Rock Ato II [2018]

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Por Marco Aurélio de Souza em Collectors Room

O segundo ato se inicia com um primeiro interlúdio. Rita Lee, no papel de narradora, nos conta que, depois daquele dia, as três Marias ficaram isoladas, não falavam do que aconteceu com ninguém, nem mesmo entre elas mesmas. Maria A, porém, descobriu que estava grávida. Precisando de ajuda, tentou falar com seu pai, um “bom pastor”. O interlúdio faz a transição para as músicas do segundo ato antecipando a melodia e o clima religioso da canção seguinte, "O Bom Pastor", que embora seja um dos grandes rocks do disco, parece ter entrado na história de forma um pouco frouxa.

Rock de sabor setentista, com excelente arranjo de guitarras e grande atuação vocal de Branco Mello, "O Bom Pastor" faz uma crítica ao oportunismo de certos segmentos do mundo evangélico, com preocupações materiais muito mais evidentes do que aquelas teológicas. Não encontrando ajuda na família, Maria A opta pelo aborto. O clima setentista da canção anterior persiste em "Eu Sou Maria", que explora o julgamento social em torno do aborto. Alternando arranjos de um rock mais clássico, lembrando inclusive o The Who – uma das inspirações para o projeto -, com passagens mais agressivas e pesadas, que expressam o desamparo das mulheres que passam pela experiência retratada. Destaque para a boa letra e para o belo dueto entre Sérgio Britto e os vocais femininos. 

A partir daí, temos alguns dos momentos mais agressivos e depressivos do disco. "Canção da Vingança" chama atenção pelos vocais de Tony Belloto, que também rouba a cena em um instrumental exclusivo das guitarras. Mas, se Belloto não faz feio e se garante no papel de vocalista, pode-se dizer, contudo, que faltou uma dose a mais de agressividade em sua voz, tendo em vista o teor forte da letra que entoa. Depois de enumerar seus desejos vingativos, a voz (que é de Tony, mas de Maria) completa: “E quem sabe no final de tudo / com você todo fodido / eu possa enfim te perdoar”. "Hoje", mais um grande momento de Doze Flores Amarelas, é outra das canções mais intensas e perturbadas da ópera rock, versando sobre desejos suicidas em alternância com ímpetos de vida energicamente expressos por seu refrão forte. "Nossa Bela Vida" desdobra o clima de angústia e depressão, desta vez, porém, em roupagem acústica, de flerte explícito com a verve MPB que, sabemos, Sérgio Britto vem revelando em sua carreira solo. A tristeza profunda presente na composição entra em atrito com a beleza pop de sua melodia e, por isso, acaba negativando todos os desejos expressos pela voz ficcional da canção – “Eu só quero fumar meu cigarro”, “Eu só quero fazer o jantar”, “Eu só quero cuidar da família”, desejos que culminam num quase refrão em tudo melancólico: “Eu só quero poder chorar”.

Em "Personal Hater", o ódio que as Marias sentem pelos seus estupradores encontra finalmente o peso de um rock que nos remete aos momentos mais agressivos da história da banda, inclusive do disco anterior. Aqui, mais uma vez, os estrangeirismos de língua inglesa, tornados moeda corrente pelas redes sociais, dão o tom da composição – o refrão repete o título em ritmo frenético. No segundo interlúdio, conhecemos o sentimento de Maria C, que “parecia não querer encarar o que aconteceu”, pois fora abusada por um cara “de quem tanto gostava”. "De Janeiro até Dezembro", canção que dá sequência ao ato, é um punk rock que lembra momentos do disco Domingo, mas também denuncia a influência (declarada pela própria banda) que o grupo sofre dos norte-americanos do Green Day. Com apenas um minuto e meio, a canção termina deixando um gostinho de quero mais. Esta, aliás, é uma característica de todo o disco, que conta com muitas faixas extremamente curtas, de pouco mais de um minuto, compensando a extensão do projeto como um todo, com suas 25 novas composições.

"Mesmo Assim" é qualquer coisa como um oásis em meio ao deserto de sofrimento e ódio do segundo ato. Balada de amor com influência indie, que lembra um som à la The Killers, poderia soar deslocada no conjunto, não fosse a excelência da produção do disco. Extremamente eficiente, ela consegue tirar o melhor de cada canção, dando um conceito próprio para cada faixa e auxiliando no processo de narrar a história. Neste caso, a letra romântica, em que Maria C revela ainda amar o seu agressor (“mesmo assim”), consegue fugir ao risco de banalização da violência com uma produção de sabor oitentista, com efeitos que geram um ar onírico ao seu significado, ou seja, mostrando a própria impossibilidade deste amor, que foi esmagado pela violência criminosa e pela brutalidade dos rapazes. Confirmando o caráter de sonho desta relação amorosa, temos na sequência outro rock de levada punk, desta vez com a voz dos rapazes, que falam pela primeira vez sobre os eventos daquela noite. "Em Não Sei”, há que se destacar mais uma vez a eficiência dos jogos de linguagem em inglês. Em letra centrada na tentativa dos rapazes de se desvincularem dos rumores e acusações - “Elas enlouquecem, agora a culpa é nossa” -, a canção abre com refrão estranhíssimo, que num primeiro momento soa como “não me esquece”, que faz todo sentido no contexto geral da letra, mas que na realidade perverte um bordão feminista sob a ótica dos agressores: “No means yes / yes means anal”. Não é não? Bem, não para eles. 

Assim, o segundo ato se encerra com a reação das Marias ao comportamento repulsivo e criminoso de seus agressores, em outra grande canção que mescla momentos de leveza, onde o peso da letra contrasta ironicamente com a suavidade do instrumental e dos vocais femininos, com o peso das guitarras e vocais distorcidos que, em momentos distintos, entoam o mesmo mantra, título da canção: "Essa Gente Tem Que Morrer". Assim, com uma explosão final que repete furiosamente a expressão máxima do desejo de vingança das três Marias, a segunda parte se encerra deixando no ar as providências que as meninas devem tomar no terceiro e último ato, visando purgar da consciência (sem sucesso, é claro) o ódio e a raiva que sentem por seus estupradores, que saíram impunes desta situação – ao que nos perguntamos: será mesmo? E é isto o que, enfim e em breve, o terceiro ato nos dirá. 

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