terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Dom Salvador e Abolição - Som, Sangue e Raça [1971]

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Por Tárik de Souza no Cliquemusic

Este não é apenas um disco seminal, recuperado pelo trabalho meticuloso do titã pesquisador Charles Gavin. É um estuário. Todos os rios negros que formaram o funk/hip hop nativo confluem para ele. Comandado pelo pianista paulista Salvador Silva Filho, o Dom Salvador, Som, Sangue e Raça, de 1971, um ano depois da explosão de Tim Maia, cataliza a formação bossa nova & jazz do lider com rhythm & blues de integrantes como o saxofonista Oberdã Magalhães, sobrinho do mestre do samba enredo Silas de Oliveira e futuro líder da Banda Black Rio, que desde o grupo Impacto 8 (entre outros Robertinho Silva, bateria, Raul de Souza, trombone) já vinha tentando agregar MPB com Stevie Wonder & James Brown. Entram ainda na mistura samba, sotaque nordestino e até o lado negro gato da Jovem Guarda representado pela presença autoral de Getúlio Cortes (irmão do posterior Gerson King Combo, o nosso James Brown cover) em Hei Você!, uma das faixas mais destacadas. Além destes elementos e da presença de Rubão Sabino (baixo), que ainda se assinava Rubens, do baterista Luis Carlos (outro que integraria a Black Rio), o disco arregimenta o trompete e flugelhorn do músico de sinfônica Darcy no lugar do original Barrosinho (mais um fundador da BR), que estava excursionando durante a gravação, mas seria o titular da banda.

Egresso do Beco das Garrafas e a caminho dos EUA, para onde se mudaria em definitivo ainda nos 70, Dom Salvador liderou o Copa Trio ao lado do baixista Gusmão e do batera Dom Um Romão. O grupo serviria de suporte para as decolagens de Elis Regina e Jorge Ben (antes do Jor), entre outros. Formou também o Rio 65 Trio com o baterista Edison Machado. O noneto Abolição (aí incluído o vocal de sua esposa, Mariá) foi uma saída para o desgastado formato trio da bossa nova. E não só. Cada faixa de Som, Sangue e Raça é diferente da anterior por conta de um cuidadoso trabalho de fusão de elementos sonoros até contraditórios como o pique folk de retreta de Folia de Reis moldado em acordeom, sopros (até tu, tuba?) e uma intrusa cuíca. Moeda, Reza e Cor tem um encadeamento de sopros que lembra os arranjos de Gil Evans para Miles Davis, mas logo deságua num solo de piano funkiado pelo baixo elétrico. Samba do Malandrinho levado pianinho (no elétrico digitar de Don Salvador) remete para a bossa nova com direito a improvisos jazzísticos.

Já Tio Macrô, repleto de reviradas de sopro e contrarritmo sustentado por baixo engata num samba funk. Intercalando grandiloquência e balanço, Uma Vida abre com declamação e uma longa introdução pianística depois picotada pelos sopros. E tome funk na veia como nas instrumentais Guanabara e Number One. O piano elétrico alicerça O Rio, um funk andante que desata em samba de escola com direito a apitos. Também a construção de sopros funkiados da faixa título acaba num samba, movido a cuíca. Com acordeon e costura acústica, Tema pro Gaguinho lembra o choro dos regionais, só que devidamente turbinado. Hey! Você (belíssima a condução de sopros) combina R&B com um ritmo de baião que antecipa a fusão de Burt Bacharach. A tamborilada Evo emoldura um funkafro com cuíca e coro. A riqueza das combinações torna o resultado muito acima da média do pop ralo das FMs, o que talvez explique o fato de o disco não ter estourado a despeito de tantos ganchos no recheio. Agora em CD remasterizado haveria até uma nova chance, se a situação não tivesse mudado. Para pior.


1. Uma Vida (Dom Salvador / Abolição)
2. Guanabara (Dom Salvador / Arnaldo Medeiros)
3. Hei! Você (Nelsinho / Getúlio Côrtes)
4. Som, Sangue e Raça (Dom Salvador / Marco Versiani)
5. Tema pro gaguinho (Dom Salvador)
6. O Rio (Dom Salvador / Arnoldo Medeiros)
7. Evo (Dom Salvador / Pedro Santos)
8. Number One (Dom Salvador)
9. Folia de Reis (Jorge Canseira / Paulo Silva)
10. Moeda, Reza e Cor (Dom Salvador / Marco Versiani)
11. Samba do Malandrinho (Dom Salvador)
12. Tio Macrô (Salvador / Arnoldo Medeiros)


Ficha Técnica

Dom Salvador (piano e acordeon)
Luiz Carlos (bateria e voz)
Rubão Sabino (baixo)
Oderbam P. Magalhães (sax alto e flauta)
Serginho (trombone)
Darcy (trompete e flugelhorm)
José Carlos (guitarra)
Nelsinho (percussão e voz)
Mariá (voz)

domingo, 28 de dezembro de 2014

Banda União Black - União Black [1978]

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Por Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

Grupo de soul-music formado no Rio de Janeiro em meados da década de 1970. Conjunto originário do movimento Black Rio, seu único membro fixo era o vocalista Gérson King Combo, sendo os músicos convidados para shows e gravações. No ano de 1977* gravou o disco "Banda União Black", pela Polydor, no qual foram incluídas "Geração black", "A vida", "Só eu e você", "União black", "Black Rio", "Voulez vous", "Melô do bobo", "Abelha africana", "Sou só", "Quando alguém está dormindo", "A família black" e "Laço negro". A banda ficou quase duas décadas sem nenhuma atividade e no ano de 2004, com integrantes originais da primeira formação, participou do disco "Black music Brasil", do qual também fizeram parte Carlos Dafé, Lúcio Sherman, Don Mita, Mariano Brown, Luís Vagner, Valmir Mello, Don Richard e Paulinho de Souza. No CD, lançado pleo selo SomSicam, interpretou três faixas: "Eu pensei" (Bira e Mariano Brown); "Cris vacilou" (Ivan Tiririca, Lula C. Barreto e Cláudio Café) e "Zorra total" (Cláudio Café, Ivan Tiririca e Lula C. Barreto). 
*lançado em 1978

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Tim Maia [1970]

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Por Rodrigo Mattar em A Mil Por Hora

Enquanto nos anos 60, a Jovem Guarda dava seus últimos suspiros e Roberto Carlos partia célere para assumir o posto de artista mais popular do país, um mulato gordinho, que passou parte da adolescência nos EUA tentava a sorte na música cantando em inglês. E principalmente, investindo num gênero que ainda não tinha espaço por aqui: a Soul Music.

O mulato gordinho em questão era Tim Maia, nascido e criado na Tijuca, amigo de Erasmo Carlos, com quem trocava cartas entusiasmadas quando esteve fora do país. Um assinava “Tim Jobim” e o outro devolvia como “Erasmo Gilberto”. Mas enquanto Erasmo virava o Tremendão e amigo-de-fé-irmão-camarada de Roberto, Tim passava o pão que o diabo amassou. Foi preso, deportado e passou fome e frio em São Paulo até conseguir a indicação de Roberto para gravar na CBS.

Sob a produção do exigente Evandro Ribeiro, Tim não conseguiu fazer suas músicas saírem como queria. Brigou com geral na gravadora e virou persona non grata. Na RGE, para onde iria por intermédio de Erasmo, tentar fazer um compacto e depois o primeiro – e sonhado – disco, aconteceu a mesma coisa e Tim, sabendo que sua hora tinha chegado na música brasileira, ficava para trás.

Foi aí que a sorte lhe sorriu: uma fita levada por Jairo Pires, que o conheceu na CBS como técnico de gravação e que estreava na Philips como produtor, estourou como uma bomba numa das reuniões mensais. Nela estava gravada a sensacional “Primavera”, de Sílvio Rochael e Cassiano. Naqueles idos anos, nada parecido se ouvira por aqui.

Quando o inverno chegar… eu quero estar junto a ti… pode o outono voltar… eu quero estar junto a ti… porque… é primavera… te amo… é primavera… te amo… meu amor…

Nelson Motta, que ouviu a fita entusiasmado, sentiu “cheiro de gol” e pediu que Tim aparecesse na Philips. Ele foi, e mostrou outras músicas. Uma delas, a bossa-nova “These Are The Songs”, saiu em compacto com Elis Regina e Tim, aprovadíssimo pelos Mutantes (que os conheciam do programa Quadrado & Redondo, apresentado por Débora Duarte e Sérgio Galvão na Bandeirantes) e também por Erasmo Carlos, que saía da RGE nessa mesma época e mudava para a gravadora dirigida por André Midani, foi contratado para fazer seu primeiro disco.

Movido a combustíveis alternativos, Tim varou noites no Estúdio Scatena em São Paulo, junto com Jairo Pires e Arnaldo Saccomani, para conseguir que os músicos fizessem o som que queria, e que os maestros Waltel Branco, Waldyr Arouca Barros e Cláudio Roditi transcrevessem os arranjos que o cantor lhes passavam “de boca”.

Com o auxílio luxuoso do conjunto vocal Os Diagonais (que tinha Cassiano, guitarrista-base das gravações, além de Camarão, Marcos e Fernando) e de músicos como o lendário baixista Capacete, Paulinho Batera, Zé Carlos, Guilherme, Garoto e Carlinhos, Tim foi o responsável por um dos maiores petardos musicais do país nos anos 70.

O disco abre com “Coroné Antônio Bento”, uma brincadeira de Camarão, um dos vocalistas dos Diagonais, que caiu no gosto de Tim imediatamente. Nascia uma fórmula que o cantor exploraria nos seus primeiros trabalhos: o baião-soul.

“Cristina”, escrita em parceria com Carlos Imperial, teria sido uma homenagem a uma bela morena chamada… Cristina e que, segundo a lenda, tinha um bumbum descomunal, que enlouquecia o cantor. ‘Vou ver Cristina…’, cantarolava com cara safada, seguindo o rebolado de sua musa. Mas há quem diga, como o biógrafo de Imperial, Denílson Monteiro, que ‘Vou ver Cristina…’ era uma senha para sair do apartamento do compositor e ‘apertar um baseado’. Imperial era avesso a tóxicos e Tim Maia não dispensava um bauretezinho.

O funk “Jurema”, a terceira faixa, é uma menção à famosa entidade Cabocla Jurema, saudada como Joo-rey-mah e Queen of The Jungle. Curtinha, mas muito bacana – tanto quanto “Padre Cícero”, uma das melhores do disco e cuja métrica Tim aproveitou para transformar a canção em “João Coragem”, tema do personagem homônimo da novela Irmãos Coragem, grande sucesso da televisão brasileira naquele ano.

Tim ainda gravou uma bonita canção de Natal – “Risos” (de Fábio e Paulo Imperial), “Eu Amo Você”, outra lindíssima composição de Cassiano e Sílvio Rochael, além da belíssima balada “Azul da Cor do Mar”, que teve como inspiração as inúmeras desilusões que o cantor, auto-intitulado preto, gordo e cafajeste, sofria com as meninas que iam para o apartamento onde morava, na Rua Real Grandeza, 171, em Botafogo, para ficar com o cantor Fábio e seu empresário, Glauco.

Com raiva e sentimento, Tim ligava o gravador e, acompanhado do violão, mandava ver.

Ah… se o mundo inteiro me pudesse ouvir… tenho tanto pra contar… dizer que aprendi… que na vida a gente tem que entender… que um nasce pra sofrer… enquanto o outro ri… mas quem sofre sempre tem que procurar… pelo menos vir achar… razão para viver… ter na vida um motivo pra sonhar… ter um sonho todo azul… azul da cor do mar…

Nascia assim o mestre da “cornitude” e Tim Maia começava, com este primeiro e fantástico disco, sua trajetória polêmica e ao mesmo tempo brilhante dentro do cenário musical brasileiro.


Ficha Técnica de Tim Maia

Selo: Polydor/Universal Music
Produção: Jairo Pires e Arnaldo Saccomani
Gravado nos Estúdios Scatena, em São Paulo, e no Cineac-Trianon, no Rio de Janeiro, em 1970
Tempo total de produção: 40’55″

Músicas:

1. Coroné Antônio Bento (Luiz Wanderley/João do Vale)
2. Cristina (Tim Maia/Carlos Imperial)
3. Jurema (Tim Maia)
4. Padre Cícero (Cassiano/Tim Maia)
5. Flamengo (Tim Maia)
6. Você Fingiu (Cassiano)
7. Eu Amo Você (Sílvio Rochael/Cassiano)
8. Primavera (Vai Chuva) (Sílvio Rochael/Cassiano)
9. Risos (Fábio/Paulo Imperial)
10. Azul da Cor do Mar (Tim Maia)
11. Cristina nº 2 (Carlos Imperial/Tim Maia)
12. Tributo a Booker Pittman (Cláudio Roditi)

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Banda Black Rio - Maria Fumaça [1977]

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Por Tiago Ferreira em Na Mira do Groove

Formado em 1976, a Banda Black Rio era um ato necessário para complementar a interessante releitura brasileira do soul e do funk, que começou com Tim Maia alguns anos antes. Oberdan Magalhães (sax) e Barrosinho (trompete) já integravam o grupo Abolição, que tocava acompanhando o pianista Dom Salvador, até que ele (Salvador) resolveu partir para os Estados Unidos.

Percebendo a potência instrumental do grupo, Oberdan e Barrosinho criaram experimentações da música americana com a brasilidade do samba e da gafieira, até que criaram a BBR e gravaram, no ano seguinte, seu primeiro álbum, Maria Fumaça.

Boa parte do sucesso desse debut, naquele momento, pode ser atribuído à faixa de mesmo nome, que serviu como tema de abertura da novela Locomotivas, escrita por Cassiano Gabus Mendes (e considerada a primeira novela em cores).

Os temas instrumentais chamam a dança, seja no groove contido de “Caminho da Roça” ou na balada melódica que evoca o clima da bossa nova em “Junia” – com um gingado que lembra as ondas do mar e que poderia ambientar os clássicos mais melosos de um Tim Maia sentimental.

Assim como uma locomotiva fantasiosa e, ao mesmo tempo, urgente, a Banda Black Rio entregou em seu primeiro disco clássicos impossíveis de serem copiados com o mesmo balanço de outrora. Os reis da black music instrumental dão força ao título do disco na canção “Metalúrgica”, mostrando que o Rio de Janeiro, com suas praias, forte presença cultural e mulheres bonitas, também é uma cidade que depende do ritmo industrial para se desenvolver.

Mas a contribuição maior de Maria Fumaça é dar novas possibilidades à música instrumental, que se tornaram universais. Ritmos negros repletos de groove, como funk, jazz de big bands, samba, gafieira, soul e baião se mesclam com a intensa naturalidade de se tornarem algo único e, por si só, representativo na música como um todo. A Banda Black Rio criou uma forma de composição que deu outro panorama à black music.

Por isso, não haveria decisão mais acertada do que William Magalhães reavivar o grupo por volta de 1999 e colocar o groove para rodar novamente. Ainda que o único membro original da BBR seja Lúcio Trombone, William vem provando que é possível moldar o grupo com o tempo. Quem sabe o futuro não lhe reserve a experiência e o requinte musical de seu pai, Oberdan, que faleceu em 1984, encerrando os anos de glória do grupo?

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Cassiano - Imagem e Som [1971]

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Por Rodrigo Mattar em A Mil Por Hora

O paraibano Genival Cassiano dos Santos, nascido em Campina Grande no ano de 1943, é um dos nomes mais injustiçados da história da música brasileira. Já faz três décadas desde seu último lançamento de músicas inéditas e só uma coletânea alentadíssima organizada por Ed Motta para o selo Dubas Música da Universal foi capaz de resgatar parte da fecunda obra do cantor/compositor.

Cassiano é um dos pais do soul e do funk no Brasil. No começo da carreira musical, formou o grupo Bossa Trio, mais tarde rebatizado Os Diagonais, com o irmão Camarão e os também nordestinos Amaro e Hyldon. Gravaram um álbum que continha uma surpreendente versão de “Na baixa do sapateiro”, de Ary Barroso, cheia de suingue. O disco teve pouca repercussão e vendas baixas, mas Tim Maia adorou e ouviu – tanto que chamou o quarteto para participar de seu primeiro disco, lançado em 1970.

O sucesso instantâneo de músicas como “Primavera” foi a prova de que Cassiano estava para o soul e o funk como João Gilberto para a Bossa Nova, no sentido do fraseado harmônico das canções e harmonias rebuscadas. Tanto que o próprio Tim dizia que pra cada nota que escrevia, Cassiano dava cinco.

E assim no início de 1971 o paraibano, com a ajuda de músicos como Capacete (baixo elétrico), Charles (piano) e Paulinho (bateria), com participação dos Diagonais nos vocais e arranjos de Waldyr Arouca Barros, gravou enfim seu primeiro disco, pela RCA Victor.

Imagem e Som, título do álbum de estreia de Cassiano, traz grandes canções do mestre. A inevitável “Primavera”, uma regravação do estouro nacional de Tim Maia, acaba sendo apenas mais uma das 12 faixas do álbum, que abre com “Lenda”, parceria de Lula Freire com Marcos Valle. Com Tim Maia, Cassiano assina duas músicas – os funks “Ela mandou esperar” e “Tenho dito”.

Mas as melhores de todo o álbum são as composições assinadas somente pelo paraibano. A lindíssima balada “Já” tem grande influência harmônica do que os Beach Boys fizeram em Pet Sounds, com uma levada de bateria típica dos anos 60. “É isso aí” (que, ainda bem, não é aquela da Ana Carolina com o Seu Jorge) remete aos grandes grupos da Motown, como Four Tops e Temptations. Nessa faixa, a linha de baixo de Capacete é simplesmente espetacular.

Mas não ficou por aí: “Uma lágrima”, canção que o próprio Cassiano qualifica como uma das mais bonitas que fez, ganhou lindo arranjo de Waldyr Arouca Barros. A letra é o que se pode descrever como o mínimo dentro do máximo. Poucos versos, frases curtas, diretas e tocantes.

Sonho que sonhei, lindo amanhecer
Natureza que te amo
Hoje o amor se faz em forma de canção
Até o luar presente se fez
Uma lágrima que em santas lágrimas
A nova época já viu passar sem se lamentar
Só o amor constroi, só o amor reviverá
Uma lágrima…

E ainda existe “Não fique triste”, que fecha em grande estilo o belo disco de estreia de Cassiano como artista solo. Ela é construída numa harmonia do tipo vai-volta-vai-volta. Parece que a música nunca acaba, algo parecido com “We’re going wrong”, do Cream, só que com muito mais doçura e num andamento mais lento. Realmente, um momento brilhante de um artista que, volto a repetir, não merecia nunca ser esquecido pela MPB. Cassiano é um gênio e poucos sabem reconhecê-lo.


Ficha técnica de Imagem e Som

Selo: RCA Victor
Gravado em 1971
Produção de Alfredo Corleto

Músicas:

1. Lenda (Lula Freire/Marcos Valle)
2. Ela mandou esperar (Cassiano/Tim Maia)
3. Tenho dito (Cassiano/Tim Maia)
4. Já (Cassiano)
5. É isso aí (Cassiano)
6. O caso das bossas (Gil Rosendo/W. Namor)
7. Eu, meu filho e você (Cassiano)
8. Primavera [Vai chuva] (Cassiano/Sílvio Rochael)
9. Minister (Cassiano)
10. Uma lágrima (Cassiano)
11. Canção dos hippies [Paz e amor] (Professor Pardal)
12. Não fique triste (Cassiano)

sábado, 20 de dezembro de 2014

O Movimento Black Rio: Desarmado e Perigoso

Por Texto Luciano Marsiglia na Super Interessante

O subúrbio do Rio fervia ao balanço da música negra em 1977. O gênero que fundia a soul music ao samba ganhava uma projeção inédita e transbordava e importava idéias: os artistas burilavam suas canções, enquanto os adeptos em geral se espelhavam na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos para combater o preconceito racial. O assédio das gravadoras, que buscavam seu quinhão black, transformava a música negra em uma arma prestes a disparar

Era nesse clima vitorioso que Gérson King Combo aguardava no camarim do clube Magnatas o início do que prometia ser “o lançamento do movimento Black Rio”.

No ano anterior, ele havia levado cerca de 30 mil pessoas ao Portelão para dançar as músicas de Volume I. Como de costume, chegou com seu Dodge Dart com bancos de veludo e hipnotizou a platéia com uma performance incendiária, que incluía os músicos da União Black e um funcionário exclusivo para pôr e tirar sua capa de “rei”. Dessa vez, entretanto, o empregado não teria trabalho.

“Estava tudo bem organizado, todos pareciam unidos naquele ideal black, da vestimenta à posição de enfrentamento”, lembra Zé Rodrix, que esteve no show. “Mas quatro camburões da Polícia Federal chegaram e colocaram todo mundo para fora com truculência. Não fiquei para ver o final...” A repressão ao show de Combo não era um fato isolado. Os órgãos da repressão estavam preocupados com o possível direcionamento político do movimento black. Em entrevista à Folha de S.Paulo de dezembro de 2001, o executivo da Philips André Midani confirmou o temor com o engajamento dos artistas negros. “Os militares achavam, com toda a razão, que, se um dia a favela fosse se politizar, se militarizar, era a revolução social neste país. Não sei quem inventou isso, mas se uma vez tive problema, foi quando alguém disse que eu recebia dinheiro do movimento black norte-americano para comandar a subversão nas favelas. Aí passei uns dias ruins.”

A incorporação dos artistas negros aos festivais, no início da década, já havia sido conturbada. E dias ruins quem viveu de fato foi Erlon Chaves, que subiu ao palco para defender “Eu Também Quero Mocotó”, ao lado de sua Banda Veneno, no FIC de 1970. Como parte da performance, duas garotas loiras surgiram no palco e os três se beijaram na boca. Foi o suficiente para Chaves ser preso e torturado pelo Dops. Curiosamente, o mesmo FIC revelou Toni Tornado com “BR-3”. Chaves ainda faria arranjos em Ela (1971), disco de Elis que continha “Black Is Beautiful”, mas nunca mais exibiu a mesma confiança profissional. Tornado também foi alvo de investigações da polícia, que temia que ele disseminasse um movimento semelhante ao dos Panteras Negras – também pesou o namoro com a atriz branca Arlete Sales.

Em 1974, no lançamento de um disco da equipe Soul Grand Prix pela WEA (gravadora criada no Brasil por Midani), um comando da polícia invadiu o Guadalupe Country Clube, no Rio de Janeiro. Portanto, a repressão policial fazia parte da realidade dos nossos funk soul brothers desde sempre. Cabelos black power e sacolas de discos eram revirados à procura de drogas quando se ia ao Clube Renascença e ao Canecão, onde ocorriam os Bailes da Pesada de Ademir Lemos e o DJ Big Boy. Mas, então, não havia uma preocupação formalizada dos militares. A música negra até meados dos anos 70 ia do suingue de Bebeto ao easy listening de Ed Lincoln, passando por Orlandivo, Franco e, claro, o samba-rock de Jorge Ben. A posterior conscientização do subúrbio carioca é que começou a incomodar os órgãos de repressão.

Primavera black

Ameaça ou não, a black music prometia ser a trilha do final dos anos 70. Os bailes se espalhavam pelo Rio de Janeiro a ponto de o Jornal do Brasil criar a coluna “Black Rio”. Em São Paulo, a Chic Show começara a organizar no Palmeiras as festas que seriam o embrião do hip hop. A Rede Globo analisava a possibilidade de fazer um programa tendo como apresentadores Tony & Frankye, Tim Maia, Toni Tornado e Gérson King Combo. E a indústria fonográfica procurava se filiar ao segmento, afinal tratava-se também de consumo, que poderia ser multiplicado se o movimento fosse regionalizado em Black São Paulo, Salvador, Belo Horizonte.... “Acredito que esse Black Rio seja mesmo um mercado extraordinário!”, afirmou Midani na época.

A WEA conseguiu dar forma à sua banda black depois de contratar a Soul Grand Prix como produtora. Primeiro surgiu o Senzala, com ex-integrantes da Abolição – entre eles Oberdan Magalhães. Depois, nasceu a Banda Black Rio, tudo o que os diretores do selo queriam. Maria Fumaça (1977) incluía arranjos de “Na Baixa do Sapateiro” (Ary Barroso) e “Baião” (Luiz Gonzaga) para salientar a proposta verde-e-amarela. A banda manteve a fórmula ao acompanhar Carlos Dafé em Venha Matar Saudades (1978).

A Phonogram tinha dois tradutores do soul: Tim Maia e Cassiano. Desde 1968, Tim difundia o gênero. Após a viagem mística de sua fase “Racional”, estava de volta ao mercado secular. A sonoridade daqueles renegados álbuns fora extremamente influente na passagem da soul music para o funk. Cassiano privilegiou a suavidade em seus arranjos, conseguindo êxito com “Primavera”. Em 1976, ele estava com Cuban Soul e a pérola “A Lua e Eu” nas mãos. A Polydor cuidava de Gérson Combo e União Black, cujo álbum saiu em 1977.

A CBS vinha com Robson Jorge, Rosa Maria e Alma Brasileira, formada por músicos da Mocidade Independente de Padre Miguel. A Polydor, por seu turno, entrava no jogo com Hyldon, badalado depois de “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”, de 1974. A Continental correu atrás com Dom Mita. O fim da década ganhou mais tons negros com Miguel de Deus (“Black Soul Brothers”) e Tony Bizarro (“Nesse Inverno”), além de “Pensando Nela”, de Dom Beto, na novela Dona Xepa.

Diluição

Diferentemente da tropicália, os artistas negros tornaram-se subversivos por exibir orgulho de sua cultura e cor. Não pretendiam, necessariamente, se víncular à luta armada ou, apesar da importação de valores, aos Panteras Negras. Gérson disse que “na época da ditadura era um radical sem consciência”. Pára-quedista, ele viu Caetano e Gil presos no Realengo, em 1968, mas, como definu “cabeça de soldado é feita para obedecer”.

A musicalidade era o ponto de convergência daquela geração e a influência estrangeira surgiu como uma opção à MPB, que não oferecia canais para ela se expressar. Como escreveu Ana Maria Bahiana no Jornal da Música, os blacks “acreditavam que o samba tinha capitulado aos brancos e era coisa de turista”.

Seja como for, a ação repressiva surtiu efeito neutralizador. “Todos recuaram, a proposta black ficou descaracterizada e a consciência, perdida”, acredita Zé Rodrix. Já em 1978, muita coisa mudou. Tim Maia preferiu mergulhar nas discotecas com “Sossego” (título sugestivo). Jorge Ben deu uma guinada para um som mais dançante e menos atrelado à poesia de subúrbio em A Banda do Zé Pretinho. Dom Beto buscou Lincoln Olivetti para lançar Nossa Imaginação desatrelado do movimento. Gérson, depois de Volume II, passou anos no ostracismo até ser resgatado pela geração hip hop. Seu discurso não resistiu às novas regras do mercado, que, mesmo com o fim do AI-5, redirecionaria os artistas para a disco music, que considerava uma vertente de fácil manipulação e maior potencial de venda. As equipes de som tiveram de buscar no miami bass as sementes do funk carioca. O ímpeto e a atitude original se esvaíram. A cabeça (pensante) do movimento adormeceu e, a partir do advento da discoteca, a música black dirigiu o foco para os quadris para “dançar bem, dançar mal, dançar sem parar”.


Tesouros perdidos do rock e da black dos anos 70

Trio Esperança - Trio Esperança (Odeon, 1974)
O Trio chegou aos anos 70 unindo a inocência da jovem guarda a doses de soul, samba e psicodelia. Inclui o sucesso “Replay”.

Tim Maia - Racional vol. 1Racional vol. 2 (Seroma, 1974/75)
Talvez a fase mais completa de Tim, com souls, rocks, baladas e módulos dançantes louvando um certo “Racional Superior”.

Arnaldo & Patrulha do Espaço - Elo Perdido (Vinil Urbano, 1977)
Lançado somente em 1988, trazia o ex-mutante liderando uma afiada banda de hard rock, com direito a tocantes baladas, como “Sunshine”.

Vários - Posições (Odeon, 1971)
Quatro bandas entre o folk e a psicodelia: Equipe Mercado, Módulo 1000, Som Imaginário e A Tribo.

Miéle - Melô do Tagarela (RCA, 1979)
Precursor do rap nacional, nasceu de uma criação de Miéle e Arnaud Rodrigues em cima de “Rapper’s Delight”, do Sugarhill Gang.

Guilherme Lamounier (Continental, 1973)
Pop-rock com sotaque carioca, baladas carregadas, toques de soul e letras de imagens fortes.

Os Lobos - Miragem (Top Tape, 1971)
Rock com belas harmonias vocais e influências de Beatles. Revelou o cantor Dalto (de “Muito Estranho”).

Mão Branca - Melô do Mão Branca (Sinter, 1979) 
Gérson Combo, disfarçado, homenageia uma figura conhecida das páginas policiais dos anos 70. 


* As próximas postagens serão de artistas citados nesse artigo. Alguns álbuns do movimento já foram postados e conforme seus links forem atualizados estarei linkando eles no artigo. A preferência continuará por arquivos flac mas como nem tudo é um mar de rosas, ocorrerá de ter arquivos em qualidade inferior.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Eloy Fritsch - Atmosphere [2002]

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Os músicos eletrônicos brasileiros costumam ser mais reconhecidos no exterior do que no Brasil. Triste sina e talvez por causa dessa "ausência" de admiradores e gravadoras da verdadeira música eletrônica por aqui é que os poucos músicos existentes buscam divulgação e trabalho fora do Brasil, salvo raras excessões (vide Anno Luz e Gustavo Jobim). Atmosphere é o sexto disco do tecladista Eloy Fritsch, também membro e fundador da banda de rock progressivo gaúcha Apocalypse. Este disco tem como conceito a atmosfera do nosso planeta e as músicas são divididas em temas relacionados. Eloy conseguiu encontrar um caminho que liga o sinfônico com o eletrônico. Este trabalho é um reflexo perfeito desse casamento tão difícil! As referências ao grego Vangelis são explícitas (uma das músicas repete o mesmo tema da música Hymn do disco Opera Sauvage. Enfim, Eloy encontrou o seu caminho e já se firmou como um dos melhores tecladistas do país.

Músicas: 
1 - Main Title - 4:08 
2 - Troposphere - 12:17
3 - Clouds: a) Nimbus b) Cumulus c) Stratus d) Cirrus 14:30
4 - Stratosphere 4:27
5 - Aurora Borealis 
6 - Ionosphere 7:20
7 - Exosphere 8:53
8 - End Title 4:09

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Testemolde [2014]

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Por Sinewave

O epicentro é São Paulo. A cor é cinza. A base é rock. Assim como o concreto que envolve a cidade.

Desde 2008 construindo ruídos de alta tensão e trilhas sonoras sobre o cotidiano paulista, o Testemolde sai da clandestinidade em pleno ano de 2012 para mostrar ao mundo a que veio, com o seu trabalho musical totalmente instrumental.

Após dar as caras na rua, e fazer notórias apresentações – como no programa da web Trama Virtual, e intervenções durante a Bienal da Arte, na praça Vitor Civita – a banda lança o aguardado primeiro álbum, de nome homônimo, em 2014.

Testemolde, o disco, traz canções abstratas, porém coesas, que foram criadas através da imaginação e vivência na cidade grande de Azeite De Leos (guitarra), David Menezes (baixo) e Guilherme Garcia (bateria).

Fixos no grupo desde o início, as três cabeças e seis braços dos integrantes emitem um som áspero e de caráter urbano, seguindo a linha sonora de bandas norte-americanas como Unsane, Helmet e Melvins. Com pitadas de realidade paulistana inserida.

Complementando o teor artístico do trabalho, todos os integrantes são envolvidos com a arte, seja em atividades de produção musical, artes plásticas e design gráfico.

Agora o Testemolde tem como meta levar sua música experimental urbana às ruas e palcos das cidades, fazendo a trilha sonora ao mundo que os estimula. Só assim o objetivo será concluído.

Ouça, se puder.


Azeite De Leos – Guitarra
David Menezes – Baixo
Guilherme Garcia – Bateria

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Gustavo Diaz - Mystic Eye [2014]

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Por Marcos "Big Daddy" Garcia no Metal Samsara

Sempre há uma certa expectativas quando se fala em discos instrumentais: serão discos para os ouvidos de fãs de música que não sejam instrumentistas, ou serão trabalhos voltados a um público mais seleto, daqueles que são iniciados na teoria musical, ou que, no mínimo, sejam instrumentistas?

Essa dualidade já destroçou muitos bons trabalhos, especialmente quando falamos em termos de Brasil, já que o fã de Metal (e mesmo de Rock) é extremamente conservador, e discos instrumentais tendem a ser recebidos de maneira fria pelo grande público. É sempre muito problemático vencer mentalidades já formadas. E é uma pena, pois muitos se privam de trabalhos instrumentais fantásticos, como o que o guitarrista carioca GUSTAVO DIAZ acaba de nos conceder em "Mystic Eye", seu primeiro trabalho.

Antes de tudo, o disco realmente é quase todo instrumental (se não fosse uma bela incursão de soprano no disco, uma participação especial de Bu Bolzan em "Marching Through the Flames"), mas não se assustem: a forma de Gustavo tocar não cansa nossos ouvidos, pois suas bases são pesadas e de bom gosto, e seus solos são excelentes, um misto de guitarristas com estilos mais clássicos como Ritchie Blackmore e alguma coisa de Tony Macalpine, e mesmo uma certa aura de Malmsteen devido ao jeitão neo-clássico das canções, mas não chegamos a ter 1000 notas por segundo. O jeito de Gustavo fazer solos é bem sóbrio, e não que ele não tenha excelente técnica. Apenas prefere que as canções falem por si como um todo, e não é uma exibição ou um cartão de apresentação. Não, de forma alguma, pois "Mystic Eye" nasceu para o fã comum, que apenas quer ouvir música de qualidade. E isso ele vai encontrar aqui, sem sombra de dúvidas.

Gustavo Diaz
A produção ficou a cargo do próprio Gustavo, com tudo gravado no Transiente Studio (exceto a bateria, gravada no HCS Studio), e podemos ver que houve um enorme capricho no disco como um todo, com tudo soando claro e com devido peso, cada instrumento com seu destaque (mostrando que, embora instrumental, não se foca em algum instrumento em especial). A arte de Luciana Lebel ficou ótima, aclimatando bem o conteúdo sonoro do CD.

Mesmo sendo instrumental, as músicas de "Mystic Eye" nos prendem pelos ouvidos, e nos envolvem completamente. A dinâmica musical é ótima, os arranjos muito bem pensados e trabalhados, nada ficou fora do lugar ou presente apenas por estar ali. Tudo é muito bem acabado, e a mistura de Metal tradicional, Hard, Música Clássica e outros flui de forma espontânea. Outro ponto forte: as músicas possuem duração econômica, quase sempre em torno de três minutos e meio até quatro, ou seja, não dá sono ou deixa o ouvinte cansado.

O disco como um todo é excelente, bem homogêneo, e cada uma das nove faixas é uma jóia preciosa. Em "Distant Paradise", uma faixa de andamento mais mediano e que evoca um certo "feeling" anos 80, vemos solos muito bons, sem recursos técnicos exagerados. Em "Wisdom and Glory" surge um jeitão mais Power Metal, com a bateria mais rápida nos bumbos, e toques mais clássicos nos solos, e alguns momentos muito tocantes. Novamente elementos de Power Metal se fazem presentes em "Temple of the Lost", embora a faixa tenha mais diversidade de andamentos e solos fantásticos (lindas melodias e acordes). Já "Ancient Secrets" é mais seca, com uma bela guinada para o Metal tradicional, com bela incursão e presença do contrabaixo, alguns momentos mais agressivos da bateria, e a guitarra faz belíssimos solos (um pouco mais técnicos, mas nada de "fritadas"). A curta "Purple Shades of a Dream"é mais climática, quase como uma introdução à dinâmica e pesada "Race Against Time" (base rítmica fortíssima e bem variada), com solos técnicos e envolventes. "Don't Break the Spell" também é pesada, mas surge certo toque de ecleticismo musical. Em "Marching Through the Flames", temos a maior faixa do CD, introduzida por vocais em soprano em conjunto com lindas orquestrações (André Tavares sempre é um monstro nos teclados), então se iniciam os seis minutos de puro prazer, cheios de mudanças de andamento e arranjos ótimos nas bases (os solos, sinceramente, são de uma beleza imensa). Fechando o CD, temos a um pouco mais agressiva "Maniac in the Mirror", onde surgem belíssimos arranjos de teclados, quase como se rivalizando com as guitarras.

Sim, "Mystic Eye" é um disco que merece estar em qualquer coleção de discos, pois o bom gosto é imenso. E aos que gostam dos ases das guitarras, podem colocá-lo ao lado do "Marching Out" e do "Surfing With the Alien" sem medo e com méritos. Ah, sim: pode ser adquirido direto com Gustavo na página oficial do Facebook por uma bagatela (R$ 12,00), e ainda vem de brinde uma palheta personalizada.

domingo, 30 de novembro de 2014

Movimento Progressivo Mineiro III

Por Claudio Fonzi
publicado em 2002 no Whiplash

O ano de 2001 foi um ano extremamente favorável para os fãs Progressivos brasileiros, pois, não somente vários lendários representantes setentistas por aqui se apresentaram, como consolidou-se definitivamente o cenário do Movimento Progressivo Mineiro.

Em termos de shows, pudemos acompanhar inesquecíveis apresentações dos ícones britânicos CAMEL, RICK WAKEMAN, STEVE HACKETT e ANNIE HASLAM e dos italianos do LE ORME, além de novos talentos como o francês XANG e o chileno TRYO.

Até mesmo os tradicionais Free Jazz e Rock In Rio abriram suas portas para grupos antenados com o estilo Progressivo, como o islandês SIGUR ROS (no caso do FJ) e UAKTI, VÄRTTINA e DERVISH, no caso do RIR.

Além disso, o estado de Minas Gerais mostrou-se mais favorável do que nunca, com o surgimento do MINAS PROG, um festival internacional localizado na pequena e aconchegante cidade de CATAGUASES.

Idealizado e produzido por Rodrigo Rocha, o embrião deste evento se deu com a realização do show da banda sueca FLOWER KINGS, atingindo o grande público em 22 de março de 2001 através da memorável apresentação do CAMEL até se tornar um legítimo Festival em 10 de novembro com a apresentação de 4 bandas: as internacionais TRYO e XANG, a conterrânea (e criada especialmente para o evento) ATLANTIS (vide adiante) e a maior de todas as sensações do prog nacional da atualidade, os também mineiros do ARION (vide adiante).

O sucesso deste evento veio apenas a confirmar a tradição mineira em termos de paixão pela Música Progressiva, já descrita em detalhes nos períodos das décadas de 70 e 80 nos 2 últimos artigos desta coluna. Nos anos 90, porém, a paixão parece ter decuplicado, com o surgimento de diversos novos grupos e artistas ligados ao estilo.

Dentro deste belíssimo cenário, destacamos os seguintes:

DOGMA: Com 2 primorosos discos, este grupo teve seu fim lamentavelmente prematuro causado pelo falecimento de um de seus integrantes. Basicamente instrumental, o DOGMA teve como co-fundador o excelente guitarrista Fernando Campos, ex-integrante do SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA e contou em seu 1º álbum (intitulado "Dogma", foi editado em 1993) com a luxuosa participação do violinista MARCUS VIANA. Lançaram ainda o excelente "Twin Sunrise", no ano de 1995.

TISARIS: Formado na década de 80 na cidade de Lavras, este expoente do Neo-Progressivo brasileiro mudou-se em 1991 para o estado de São Paulo. Lançaram os seguintes CDs: "What's Beyond", "Once Humanity" e "The Power of Myth".

CARTOON: Criado na cidade de Ouro Branco em 1990, chamavam-se inicialmente KARTOON, e dos seus membros atuais só estavam o vocalista Cadu e o baixista Vlad. Ainda não estavam ligados no Rock Progressivo, mas as sementes roqueiras de bandas como Beatles e Led Zeppelin já estavam começando a germinar. Algum tempo depois, mudaram-se para BH e, devido a saída do guitarrista, Vlad assumiu a guitarra, instrumento que passou a dominar com total mestria.

Em 1991, mudaram o nome para CARTOON e permaneceram por 3 anos ensaiando e se apresentando esporadicamente até que, por diversas razões, seguiram caminhos diferentes e desfizeram a banda.

Em 1996, Vlad (novamente no baixo) e Khadhu, juntamente com o baterista Bydhu e o guitarrista Baiano, ressuscitam a banda. Pouco tempo depois, entre o tecladista Boxexa, que além de adicionar a paixão pelos MUTANTES (que acabaria se tornando a maior das influências do grupo), foi responsável por um grande enriquecimento na qualidade e complexidade dos arranjos.

Tal formação, no entanto, duraria pouquíssimo tempo, com Baiano saindo e acarretando um período de instabilidade, que acabou sendo solucionada com o retorno de Vlad às guitarras e a ida de Khadhu para o baixo. Adicionalmente, além de principal vocalista, Khadhu toca harmônica, violão, cítara e esraj, Vlad também toca violão e todos participam ativamente nos vocais.

Assim sendo, realizaram dezenas de shows de altíssima qualidade, englobando músicas próprias e "covers" antológicos (de bandas como Genesis, Queen, Focus, etc, etc) e lançaram em 1999 o CD "Martelo". Infelizmente, o CD não possui a mesma qualidade por eles apresentada ao vivo, mas, apesar disso, possui alguns méritos inquestionáveis, entre eles o fato de não terem se rendido às facilidades do mercado e terem se mantido absolutamente fiéis aos seus princípios.

Para 2002, porém, está previsto o lançamento de seu 2º CD, uma Ópera-Rock Progressiva que promete posicioná-los entre os grandes grupos brasileiros também nesta questo de lançamentos fonográficos.

CÁLIX: Formado em 1997 a partir do grupo Vivências, o CÁLIX era constituído pelos músicos Renato Savassi (flauta) e Marcelo Cioglia (violão clássico), ambos companheiros no Vivências e mais os músicos André Godoy (bateria) e Daniel Lima no violão, bandolim, guitarra e voz principal.

Em novembro do mesmo ano, Daniel Lima sai da banda e em 98, Sânzio Brandão (guitarra, violões e voz) assume o seu lugar. Com esta modificação, Renato Savassi passa a ser o vocalista principal e, além da flauta, passa a tocar também bandolim e violão e Marcelo Cioglia passa para o baixo e voz.

A partir dai, o Cálix passa a se apresentar regularmente em bares e casas de shows como Porto dos Navegantes, City Limits e Studio Sushi Bar, além de várias festas e tradicionais calouradas. A boa resposta do público em relação às composições próprias da banda estimula a gravação de um CD, o que ocorre em 21 de dezembro com o lançamento de seu excelente single de 4 faixas, com destaque para a brilhante composição "Dança Com Devas". A apresentação de lançamento foi marcada pela estréia do pianista Rufino Silvério, como novo integrante da banda.

Em 1999, a situação fica mais promissora ainda, com a banda se apresentando em eventos marcantes como o Projeto Sexta Sintonia, Projeto Sábado Especial (revista Boca a Boca), Orquestra Mineira de Rock I e II, Aniversário de 101 anos de Belo Horizonte, festa de inauguração do site bhmusic.com.br, entre outros. No decorrer do ano, a prensagem de 1.000 cópias do single se esgota e as gravações para o um CD completo se iniciam.

Em 13 de abril de 2000, ocorre o histórico lançamento do CD "Canções de Beurin", no Grande Teatro do Minascentro. Foi um sucesso fantástico e uma apresentação inesquecível, onde conseguiram realizar a maravilhosa façanha de, apesar de ainda desconhecida (para 99,9% do Planeta) e praticamente inédita em disco, atrair mais de 1.000 pessoas, com ingressos a R$14,00 e com predominância absoluta de jovens.

Em uma apresentação impecável, o CÁLIX envolveu completamente o público com sua empolgante performance. Mesclando as canções de sua própria autoria com diversos clássicos do "British Progressive Rock" (Jethro Tull, Renaissance, etc), souberam dosar plenamente suas energias e as da platéia, que se viu "hipnotizada" nos momentos "climáticos" e "delirante" nos momentos energéticos, sendo que as palmas do público, registradas em uníssono, proporcionaram sensações literalmente emocionantes.

Em 19 de outubro se apresentam no "Rio Art Rock festival", mas, alguns problemas impediram a apresentação de algumas de suas músicas mais importantes, tais como a extraordinária "Canções de Beurin". Em novembro, as 3.000 unidades da primeira tiragem do CD "Canções de Beurin" se esgotam e uma nova remessa é feita.

Finalmente, para comprovar seu sucesso, em fevereiro de 2001, em votação aberta no site www.rockprogressivo.com.br, o Cálix é eleito a banda revelação do progressivo brasileiro em 2000 e o CD "Canções de Beurin" é escolhido o melhor do ano.

Em 24/09/01, participam da memorável noite Progressiva do Camping Rock (juntamente com CARTOON e MANTRA), onde realizam excelente apresentação.

MANTRA: A despeito de utilizarem o nome da lendária e fenomenal banda que acompanhava MARCO ANTÔNIO ARAÚJO, os membros do atual MANTRA ainda são jovens iniciantes. Podem se orgulhar, no entanto, de terem realizado o mais emocionante e Progressivo show da noite Progressiva do Camping Rock. Além das sua ótimas composições, fizeram o público, literalmente, delirar ao tocarem, em sequência, e sob um céu maravilhosamente estrelado, versões excelentes da zeppeliniana "No Quarter" (versão alongada presente no "The Song Remains the Same"), da floydiana "Echoes" e da Yesiana "Close To The Edge".

Seus membros são os fundadores Leo "Dias" (bateria), Vinícius "Moselli" (guitarra solo), Igor "Ribeiro" (baixo) e os recém-chegados Pablo Vieira, nos vocais e, após pequeno período de participação do tecladista Adriano, Hugo Bizotto nos teclados.

Lançaram recentemente seu 1º single e prosseguem arduamente na estrada Progressiva com diversas apresentações por Belo Horizonte.

ATLANTIS: Criado por Rodrigo rocha, produtor do MINAS PROG, esta banda seria um projeto de vida passageira, idealizado apenas como um grupo de músicos locais que se apresentariam com o intuito de representar a cidade.

Posteriormente, no entanto, a integração de seus membros foi tanta que o que era para ser um projeto, transformou-se num grupo, batizado por Rodrigo de ATLANTIS.

Com quatro músicas próprias e covers de Marillion (Splintering Heart), Porcupine Tree (Shemovedon), Collage (One of their Kind) e Quidam (Child in Time), sua apresentação surpreendeu, pois apesar do curtíssimo tempo de um mês de ensaios, apresentaram grande entrosamento, mostrando seu valor e que conseguirão bons resultados com relação a futuros shows e a gravação de seu primeiro CD.

O grupo é formado por Maria Júlia Garcia (vocal), Márcio de Mendonça (teclados), Pedro de Sousa (guitarra), Giovani Moura (baixo), Marcelo Athouguia (bateria) e Fabiano Mendonça (flauta).

ARION: Indiscutivelmente, a grande revelação do Progressivo Brasileiro e, porque não dizer, uma das maiores também em escala mundial. Seu CD "Arion" já penetrou para a história do nosso Progressivo como sendo uma das mais brilhantes estréias já vistas por aqui.

Inicialmente batizado de Magma, o grupo surgiu em 1993 na cidade universitária de Viçosa, Minas Gerais, onde realizou diversos shows, participou de especiais para a televisão e passou a ter um maior respaldo junto ao público, tendo se apresentado também em Belo Horizonte. Já contando com um instrumental refinado, adquiriu sua identidade atual com a entrada da cantora Tânia Braz, musicista formada em composição pela Escola de Música da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Além de Tânia completam a banda os excelentes Sérgio Paolucci (teclados), Luciano Soares (guitarra), Nelson Simões (bateria e voz) e Carlos Linhares (baixo, violão e voz).

Arion é um grupo musical que reúne a capacidade artística de músicos com as mais variadas formações profissionais; o que inclui a formação acadêmica, especialização em música orquestral erudita e formação autodidata. Todos os músicos, contudo, têm uma característica comum: são criadores, além de hábeis instrumentistas e intérpretes reconhecidos e respeitados nas praças onde atuam. Seu interesse comum pelo estilo conhecido como Rock Progressivo uniu esses artistas em um projeto musical sólido, caracterizado por arranjos elaborados e riqueza instrumental, que resultou no primeiro CD da banda.

O disco apresenta seis músicas inéditas compostas pelos próprios membros do grupo e uma leitura na linguagem do Rock Progressivo da canção "Natureza Mística" do compositor e poeta Thyaga. As letras, originalmente em inglês, trazem temas de natureza reflexiva ligada à humanidade e à espiritualidade.

Estes temas, associados às belíssimas atmosferas melódicas, remetem os ouvintes a um universo rico em percepções sensoriais que transcendem a experiência cotidiana. O CD, produzido conjuntamente pelo Arion e pelo produtor Marcos Gauguin (ex-integrante do SAGRADO C. DA TERRA, hoje é um conceituado produtor musical, que produziu, entre outros o CD "Calango" do Skank) contou com a participação especial do próprio Thyaga na interpretação de sua música e do percussionista Alexandre Reis.

Em termos de shows, a qualidade geral de seus integrantes fica mais pronunciada ainda, com destaque particular para as sempre emocionantes performances de Tânia Braz.

O Movimento Progressivo Mineiro prossegue em sua inesgotável capacidade criadora e, além dos artistas citados, muitos outros mereceriam ser citados, tais como o excelente multi-instrumentista NILTON GAPPO que, apesar de petropolitano de nascença, só conseguiu produzir seu 1º disco (o ótimo "Secret Gardens") após sua mudança para Belo Horizonte, MODUS VIVENDI, ANDERSEN VIANA, AUGUSTO RENNÓ, SERGIO MOGGA, RODRIGO VALLE, CLAUDIA CIMBLERIS, LIMBO, TEMPUS, TUATHA DE DANAMM, SILENT CRY, VERA CRUZ, MERCADO e outros.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Movimento Progressivo Mineiro II

Por Claudio Fonzi
publicado em 2001 no Whiplash

No início da década de 80, houve uma grande decadência do gênero Progressivo, notadamente na Inglaterra, Itália e Alemanha, os três países fundamentais na criação e difusão do estilo. Paradoxalmente, em alguns países de menor expressão começaram a surgir bandas e músicos de altíssimo nível, tais como EAST e SOLARIS na Hungria, GANDALF na Áustria, AGAMEMNON e ELOITERON na Suiça e KANZEON, OUTER LIMITS, MUGEN, GERARD e muitos outros representantes da incrível geração japonesa.

No Brasil, tal fenômeno igualmente ocorreu, pois surgiram nesse período, nada mais nada menos que três dos maiores representantes Progressivos do continente sul-americano.

Um deles, o carioca BACAMARTE, gravou apenas um álbum, intitulado "Depois do Fim", e não pôde deixar sua marca na história da forma que merecia, mas os outros dois certamente deverão ser lembrados em qualquer antologia ou estudo que se faça:

São os mineiros MARCO ANTÔNIO ARAÚJO e SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA, cuja simples existência já justificaria plenamente a criação de um artigo detalhado sobre o MOVIMENTO PROGRESSIVO MINEIRO.

Como já vimos na 1ª parte, o estado de Minas Gerais foi (e é) o mais importante no cenário Progressivo nacional, não somente pelas suas bandas, mas também pelos seus músicos, e os dois elementos citados acima surgiram para comprovar definitivamente essa afirmativa.

1 - Iniciando a década

Em 1980, o violonista, guitarrista e violoncelista MARCO ANTÔNIO ARAÚJO (ver parte 1), depois de uma década de paixão musical, finalmente pôde lançar um trabalho seu, o que fêz com absoluto brilhantismo.

Trata-se do magistral album "Influências", composto por seis belíssimas faixas totalmente instrumentais (como toda sua obra restante) e de caráter ricamente sinfônico.

Utilizando seus conhecimentos de Rock e de música erudita (era violoncelista da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais) e auxiliado pelos seus brilhantes companheiros do GRUPO MANTRA (Alexandre Araújo, Antônio Viola, Eduardo Delgado, Ivan Correa e Mario Castelo), lançou mais três obras de incontestável beleza: os álbuns "Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite" (de 82, que contou, entre outros, com o belíssimo piano de Max Magalhães), "Entre Um Silêncio e Outro" (de 83, este é na verdade, um disco puramente barroco, e que não contou com seus companheiros do MANTRA) e "Lucas", lançado em 1985 e com Jacques Morelembaum no lugar de Antônio Viola e Lincoln Cheib no de Mário Castelo.

Apesar de trabalhar com um estilo de difícil aceitação, ainda mais em um período musicalmente tão estéril, as obras de MAA sempre obtiveram fortes elogios da crítica especializada, e justamente quando iria obter o tão merecido reconhecimento (receberia o prêmio de "Instrumentista do Ano", eleito em concurso nacional da revista "Veja"), veio a falecer durante o sono em 06/01/86, às vésperas da entrega do prêmio.

Assim sendo, partia para outra dimensão física, o maior nome da Música Progressiva Instrumental Sul-americana e, porque não dizer, um dos mais criativos e talentosos do gênero a ter habitado esse planeta.

2 - O Sagrado grava seu 1º album e desponta para o mundo

Após alguns anos na estrada, o ano de 1984 marcou o surgimento fonográfico da mais importante e famosa banda Progressiva de nosso país, o SAGRADO CORAÇÃO DA TERRA.

Sempre liderado pelo violinista, tecladista e vocalista MARCUS VIANA, iniciaram sua trajetória com o album homônimo, belíssimo em todos os aspectos, desde o musical e poético (músicas e letras compostas por Marcus) até o gráfico, concebido por Marcus e magistralmente realizado por Alexandre Lima e Júlio Távora.

Muitos integrantes passaram pelas suas fileiras, mas, nada foi mais marcante na história da banda que a angelical presença da cantora Vanessa Falabella, cuja voz encantava a todos os presentes nos shows desse período.

O ano de 1985 foi de vital importância para o SAGRADO, devido a extremamente bem sucedida temporada na Sala Funarte no Rio de janeiro. Inicialmente com pouco público, devido a banda ser ainda totalmente desconhecida, a temporada teve seus últimos dias com lotação absolutamente esgotada e com dezenas de pessoas desoladas no lado de fora do teatro.

Após esse sucesso, o Rio de Janeiro tornou-se o maior consumidor de seus discos, não somente pelo público em si, como pela grande quantidade de exportadores de discos progressivos ali residentes. Assim sendo, em pouquíssimo tempo, este 1º album podia ser encontrado nas principais lojas especializadas do planeta, demanda que aumentou enormemente a partir de 1987, quando do lançamento do álbum "Flecha".

Concebido e fabricado com o mesmo esmero do antecessor, "Flecha" possuía um acento mais "pop", mas, mesmo assim, mantinha o caráter belamente sinfônico e melódico do anterior.

O grupo obteve então, um sucesso quase que inimaginável naquela época, pois tal disco conseguiu a façanha de ter a faixa-título inserida em uma trilha sonora de novela da poderosa Rede Globo, além de terem sido contratados pela multinacional CBS (atualmente SONY), que relançou este disco.

Outra inigualável façanha foi terem sido lançados no Japão pela King Records, que editou por lá não somente estes 2 discos, como também o seguintes, "Farol da Liberdade" de 1991 e "Grande Espírito", de 1993.

Quando "Farol..." surgiu, Marcus Viana já era um nome respeitadissimo na televisão brasileira, pois havia sido o responsável pela grande transformação na concepção de trilhas sonoras de novelas e mini-séries.

Inicialmente na Rede Manchete, seu sucesso surgiu quando criou a trilha da novela "Pantanal" e prosseguiu com várias outras ("Ana Raio e Zé Trovão", "Canto das Sereias" etc), passou pela Bandeirantes ("Idade da Loba") até se estabilizar na Globo ("Xica da Silva", "Chiquinha Gonzaga", etc, etc.).

Diversos Cds dessas trilhas já foram lançados, sendo que Marcus editou ainda vários Cds dedicados a meditação e que receberam o nome de "Música das Esferas".

Em relação ao SAGRADO, a banda continua de vento em popa, tendo editado mais 2 CDs, sendo que o último, lançado este ano, é totalmente cantado em inglês, visando fundamentalmente o mercado externo.

3 - Outros representantes da década de 80


Em 1981, é editado “UAKTI- Oficina Instrumental”, disco altamente criativo e inovador que marcou o início da trajetória de uma das mais singulares bandas brasileiras - o UAKTI.

Liderado pelo genial músico Marco Antônio Guimarães, o UAKTI possui uma sólida carreira fonográfica, com diversos títulos lançados e um nome extremamente respeitado no cenário da música instrumental, inclusive no exterior. Seu estilo musical passa muito distante da linguagem convencional do Progressivo, mas seu nível de experimentação é superior à grande maioria dos representantes do estilo.

A principal peculiaridade de sua música são os instrumentos absolutamente exóticos, a maior parte criada por ele mesmo, o mestre Marco Antônio Guimarães. Marco Antônio, por sua vez, além de compor c/ Marco A. Araújo e Marcus Viana, a "Santíssima Trindade dos Marcos Mineiros", é o principal compositor e instrumentista da banda.

Além dos belamente convencionais violoncelos, pianos, violões e flautas, destacam-se entre os inusitados instrumentos, as seguintes peças:

- Percussão: Trilobita, Itafone, Aurecular, Tambor-D’água, Grande Pan, Pan Inclinado, Pan Curvo, Caldeirão, Marimba D’Angelim, etc, etc.

- Cordas: Iarragunga, Torre, Planetário, Peixe, etc, etc.

Em 1982 lançam seu 2º album, intitulado "Uakti II", e em 84 passam a utilizar mais dois instrumentos exóticos - o Aqualung, que utiliza o som da água como matéria sonora e a Marimba de Vidro, que terá um papel extremamente importante nas composições e arranjos gravados a partir de então.

Assim sendo, prosseguem lançando discos e fazendo shows. No início deste ano participaram do Rock In Rio III, onde se apresentaram na Tenda Raízes.


Os anos 80 trouxeram ainda outras verdadeiras preciosidades, como o belíssimo "Himalaia", do violonista e guitarrista FERNANDO PACHECO (ex-integrante do RECORDANDO O VALE DAS MAÇÃS, que também possuía ramificações mineiras e lançou o lendário "As Crianças da Nova Floresta" em 1978), o album "Belorizonte", de 1983 e pertencente ao grupo AUM e o maravilhoso album "Nascente", editado em 82 pelo grande músico e cantor FLAVIO VENTURINI (ver parte 1) e com magnífica participação de Marcus Viana ao violino.

Vários outros grupos ainda existiram, mas a quase totalidade destes grupos, infelizmente, não chegou a gravar, tais como "CIA.ILIMITADA", MERCADO COMUM, VERA CRUZ, GRUPO NOVO e ÍCARO.

No próximo capítulo escreveremos sobre a maravilhosa Geracão 90 e as excelentes bandas CÁLIX, CARTOON, MANTRA (não é o grupo que acompanhava o Marco A. Araújo), MODUS VIVENDI, DOGMA, ARION, TISARIS, NILTON GAPPO, CELSO MOGGA, AUGUSTO RENNÓ, LIZARDS, etc, etc...



Este artigo foi elaborado em homenagem a um dos maiores nomes da Música Progressiva, MARCO ANTÔNIO ARAÚJO - que completaria 52 anos de vida em 28 de agosto próximo.

Seu corpo físico se foi, mas sua alma estará eternamente vinculada aos corações de todos aqueles que ouviram, ao menos um vez, alguma de suas músicas.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Movimento Progressivo Mineiro

Por Claudio Fonzi
publicado em 2001 no Whiplash

O Estado de Minas Gerais sempre foi um dos mais férteis do país no campo da Música Progressiva, tendo gerado alguns dos mais importantes artistas brasileiros.


O início fonográfico se deu através do pioneiro SOM IMAGINÁRIO, verdadeiro super-grupo criado para acompanhar o cantor MILTON NASCIMENTO. Constituído por 6 verdadeiras "feras" - o tecladista WAGNER TISO, o guitarrista e vocalista TAVITO, o baixista LUIZ ALVES, o tecladista e vocalista ZÉ RODRIX, o baterista ROBERTINHO SILVA e o guitarrista FREDERYKO - possuiam um potencial criativo tal, que logo decidiram mostrá-lo ao mundo.

Assim sendo, editaram no distante ano de 1970, o LP "Som Imaginário", interessantíssima mescla de ritmos, mas já com faixas altamente psicodélico-progressivas, tais como "Nepal" e "Tema dos Deuses". Este disco marca também a presença daquele que se tornaria o maior nome da Música Progressiva Instrumental Sul-Americana, o genialíssimo violonista, guitarrista e violoncelista MARCO ANTÔNIO ARAÚJO (v. Parte 2), autor de uma das faixas e atuante em "Nepal".

O "SOM IMAGINÁRIO" participou a seguir, da histórica coletânea "Posições", lançada em 1971 e que contou, entre outros, com a participação de outro celeiro mineiro de craques, o grupo "A TRIBO".

Esta banda, infelizmente, deixou como registro apenas 2 compactos, além das faixas presentes neste album, com destaque absoluto para a super psicodélico-experimental "Kyrie". Entre seus integrantes, destaque para o exímio violonista e guitarrista TONINHO HORTA, a cantora JOYCE e o baixista NOVELLI.

Ainda em 71, o SOM IMAGINÁRIO passa por alterações na formação. Continua, porém, sob a liderança de Wagner Tiso e grava seu 2º LP, intitulado simplesmente com o nome da banda (mas também conhecido como "A Nova Estrêla"), e em 73 lança sua obra-prima, o excelente "Matança de Porco", o mais Progressivo de seus albuns, onde se destacam as fantásticas "Armina" e a faixa-título.

Também neste ano, participam das gravações do altamente experimental "Milagre dos Peixes", de Milton Nascimento, o que proporciona que o acompanhem nos lendários shows realizados em São Paulo, em 7 e 8 de Maio de 1974, que acabam se transformando no fantástico album duplo "Milagre dos Peixes - Ao Vivo".

Neste período, sua formação instrumental era uma das melhores já vistas nesse país, pois, além de Wagner, Luiz e Robertinho, estavam presentes Toninho Horta na guitarra e o brilhante NIVALDO ORNELAS nos saxes e na flauta.

O ano de 1973 ainda foi marcado pela gravação do histórico album "Beto Guedes, Danilo Caymmi, Novelli e Toninho Horta", que marcou o início da carreira fonográfica solo de Toninho e também do multi-instrumentista e vocalista BETO GUEDES.

Beto já havia participado do inesquecível album duplo "Clube da Esquina", de Milton e Lô Borges, de 72, mas somente a partir de suas gravações solo é que pôde mostrar sua "Veia Progressiva", esplendidamente registrada na faixa "Belo Horror". Posteriormente, editou pelo menos 3 trabalhos com fortes influências do estilo: "A Página do Relâmpago Elétrico", de 77, "Sol de Primavera", de 79 e "Contos Da Lua Vaga", de 81.

Em 1974, 2 jovens mineiros invadem, literalmente, o cenário Progressivo tupiniquim ao se integrarem às 2 mais importantes bandas do Movimento - O TERÇO e OS MUTANTES.

Quem entrou para o TERÇO, foi o tecladista, violonista e vocalista FLAVIO VENTURINI, (juntamente com outro conterrâneo, o baixista e vocalista SÉRGIO MAGRÃO) também oriundo do CLUBE DA ESQUINA. Flávio, assim que entrou, logo mostrou suas composições e 4 foram imediatamente aprovadas para o disco que se seguiria. Destas, 2 se transformaram em obras-primas do Progressivo, amadas e idolatradas até hoje: "Criaturas da Noite" (que deu nome ao LP, lançado em 75 e fantástico sucesso de vendas na época) e a inigualável "1974", magistral suíte instrumental de 12:27.

Em 76, lançam "Casa Encantada", uma das mais perfeitas fusões de Progressivo com MPB, mas, logo a seguir, Venturini sai, deixando como herança, outra extraordinária obra instrumental - a longa faixa "Suíte", lançada somente em 82, no album "Som Mais Puro".

O "invasor" dos MUTANTES foi o excepcional tecladista TÚLIO MOURÃO, recém-saído de outra lendária banda, o VELUDO ELÉTRICO.

Túlio, da mesma forma que Venturini, logo mostrou suas composições e uma acabou entrando no fenomenal álbum "Tudo Foi Feito Pelo Sol", lançado naquele mesmo ano. O nome da faixa é "Pitágoras", totalmente instrumental e repleta de belíssimas variações rítmicas e melódicas.

Além disso, trabalhou ativamente nos arranjos e na execução das outras faixas, podendo ser afirmado, com segurança, que sua relevãncia foi tão grande quanto a do líder Sérgio Dias.

O sucesso do album foi total, obtendo excelente vendagem, mas, apesar disso, Túlio saiu da banda logo em seguida.

Nesse período, o cenário fonográfico era praticamente restrito a São Paulo e Rio de Janeiro, e por essa razão, muitos grupos e artistas de outros Estados não conseguiam se lançar.

Em MG não foi diferente, e bandas como BANQUETE 93 DE COGUMELO (de onde sairia o violinista MARCUS VIANA - v. adiante), ANONIMATO, AR LIVRE, BOCA DA ZONA, MANGA ROSA, CAMPO MAGNÉTICO, CATARSE, VERA CRUZ, BANDA LIVRE (de onde sairam o flautista EDUARDO DELGADO e o baterista MÁRIO CASTELO, futuros companheiros de Marco Antônio Araújo) permanecem no limbo até hoje.

Somente com o surgimento do CD, é que uma delas, finalmente pôde ser conhecida pelo mundo - a SAECVLA SAECVLORVM.

Formada em 1974, esta lendária banda participou em 1976, do igualmente lendário CAMPING POP, verdadeiro Woodstock brasileiro, hoje ressuscitado pelo extraordinário CAMPING ROCK (v. Parte 2). Em setembro do mesmo ano, gravou uma fita demo, pois estava em vias de ser contratada pela Warner. Infelizmente, nada aconteceu, e tal preciosidade permaneceu inédita por 20 anos.

Um dos maiores responsáveis por esse extraordinário resgate, foi um de seus membros, o violinista, tecladista e vocalista MARCUS VIANA, o mais famoso de todos os músicos Progressivos brasileiros (v. Parte 2) e proprietário da Gravadora Sonhos & Sons.

Em 1979, ainda no pleno periodo "disco music" que assolava o país, surge uma banda que seguia um estilo totalmente diferente, englobando MPB, Rock'n Roll e Progressivo.

Seu nome era 14-BIS, e, entre seus membros lá estava FLAVIO VENTURINI, o maior responsável pelas belíssimas composições instrumentais presentes em 4 de seus álbuns. A destacar ainda, a presença do tecladista VERMELHO, que além de co-autor de 3 destas faixas assumidamente Progressivas, enriquecia enormemente os arranjos das outras, ao acoplar seus teclados aos de Flavio, proporcionando uma sonoridade Progressiva até mesmo às composições mais "pop".

Os álbuns que possuem estas características são "14-Bis" (79), "14-Bis II" (80), "Espelho das Águas" (81) e "Idade da Luz" (84).

A brilhante década de 80, a boa década de 90 e a extremamente promissora geração do 3º Milênio serão analisados na 2ª parte desse artigo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Vespas Mandarinas - Da Doo Ron Ron [2010]


O Rock pegou no Brasil ainda nos anos 50, quando Celly Campello regravou a música Tintarella di Luna numa versão em português que se tornou Banho de Lua. A partir daí, com o sucesso mundial dos Beatles e com o Roberto guiando a Jovem Guarda, os violões da Bossa Nova deram lugar às guitarras do Rock n’ Roll. Menos iê-iê-iê e mais maduros, os anos 70 vieram com Secos e Molhados, Raul Seixas e a recém mutante expulsa Rita Lee. Quando a Blitz abriu os anos 80 com irreverência e malandragem carioca, vivemos os tempos mais frutíferos do Rock Brasil, com Barão Vermelho, Legião Urbana, RPM, Kid Abelha, Ultraje a Rigor, etc. Os anos 90 também tiveram nomes importantes, como Raimundos, Planet Hemp e Skank. Mas o novo milênio começou fraco, principalmente pela ascensão radiofônica de outros ritmos e pelo pop rock fuleiro dos Detonautas. Os principais trabalhos estavam sendo feitos no cenário underground. Alguns expoentes desse cenário decidiram se juntar para tocar e resgatar um pouco daqueles tempos de ouro do Rock Nacional. E foi assim que nasceram as Vespas Mandarinas.
Fãs de gigantes como Titãs e Paralamas do Sucesso, não é difícil encontrar influências dessas bandas no primeiro trabalho do grupo. As músicas têm letras diretas porém bem trabalhadas e os instrumentos tocam alto e distorcidos, o que demonstra a mesma virtude das bandas já consagradas mas sem soar como uma cópia daqueles tempos, o timbre e a sonoridade cravam os pés da banda nos anos 2000 de forma bem original.

Uma breve apresentação das Vespas Mandarinas

Chuck Hipolitho provavelmente seja o mais conhecido devido o seu trabalho com os Forgotten Boys e nos programas da MTV. Thadeu Meneghini se destacou com o Banzé, do qual trouxe as músicas Cobra de Vidro para o EP e Um Homem Sem Qualidades, presença constante nos shows da banda. Ainda na formação desse primeiro trabalho, faziam parte da banda Mauro Motoki, o baixista japa e talentoso do Ludov, e o Mike Vontobel, baterista da banda gaúcha Video Hits. Por esses motivos e currículos, as Vespas Mandarinas foram consideradas um supergrupo. Como “música de trabalho”, Sem Nome ganhou um clipe criativo que concorreu a Clipe do Ano no VMB de 2010:


Outra conquista do grupo com a música foi entrar para a lista de 25 melhores músicas do ano para a revista Rolling Stone:


E assim a banda alcançou o status de promissora do Rock Nacional. Você pode baixar esse EP e tudo já lançado no site dos caras. Vale muito a pena.