domingo, 15 de junho de 2014

Odair José - O Filho de José e Maria [1979]

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Odair José se redescobre em novo público: "Quero os doidões ao meu lado"
Por Tiago Dias em 13 de junho de 2014 no UOL


Odair José finaliza novo disco de inéditas, "Dia Dezesseis".
"Estou me sentindo o Keith Richards e Mick Jagger", diz
Terror das empregadas, brega, cantor romântico. Odair José passou a vida sendo enquadrado em rótulos que sempre lhe trouxeram desconforto. Prestes a completar 66 anos, ele, enfim, se rebela. "Eu sou um artista de público jovem. Estou convencido que houve uma análise errada sobre meu trabalho", afirmou em entrevista ao UOL. "As pessoas me convidam [para programas de TV], e eu não vou, porque eles querem mostrar o cantor brega, um Odair que não sou eu."

O cantor revisita, neste fim de semana, seu disco mais controverso, "O Filho de José e Maria" no Sesc Belenzinho, em São Paulo, nos dias 13, 14 e 15. Lançado em 1977, o álbum conceitual conta a saga de uma espécie de Jesus Cristo, mais terreno e contemporâneo, fruto de um casamento que não deu certo e que encontra o sentido da vida aos 33 anos.

Usuário de maconha e cocaína na época, Odair sofreu rejeição do público e chegou a ser ameaçado de ser excomungado pela Igreja Católica. "Aquilo foi tomado como blasfêmia. 'Esse cara é um merda, não pode falar isso', diziam. De gravadora a amigos pessoais, todo o mundo olhou com desconfiança."

Trinta e sete anos depois, o disco não apenas é aceito, como ganha eco em um público novo e mais jovem. "O Filho de José e Maria" ganhará em breve DVD ao vivo e especial no Canal Brasil em agosto.

Odair conversou a reportagem enquanto finaliza também as gravações de seu novo disco inédito, "Dia Dezesseis", inspirado pelos novos seguidores. "Agora estou pensando em mim. Eu quero a molecada, eu quero os doidões comigo, os malucos. Essa coisa de gente muito correta pode ficar longe."

UOL - O disco "O Filho de José e Maria" é um importante rompimento na sua carreira. Foi também um esforço em dar um basta na pecha de cantor brega e romântico?
Odair José - Na verdade, quando o projeto surgiu em 1976, não pensei em dar um basta em nada. Sempre tive muita paixão por músicos, tento ser um, mas não sou virtuoso. Naquela época eu estava lendo o livro do Kalil Gibran, "O Profeta", e acreditava em uma proposta musical que estourava no mundo inteiro, com Peter Frampton. Eu queria ser esse cara com a guitarra no pescoço, tocando com uma banda. Eu queria falar de algumas dúvidas minhas sobre a religião, não a religiosidade, mas sim a forma que a religião contava as coisas, que pra mim não batia, como não bate até hoje. Então eu fiz músicas interligadas que contam a história de uma pessoa. Cada música é um momento da vida do cara, tem o casamento, o filho abandonado, a tentativa de se achar. Mas as pessoas ficaram com pé atrás.

Hoje parece que não ficam mais com o pé atrás.
Hoje acho que o trabalho, desculpa a expressão, não tem prepotência, é genial. Hoje ele ainda assusta as pessoas, mas, graças a essa nova geração, tenho a oportunidade de mostrar no palco, e está sendo muito divertido. As pessoas comentavam: vamos fazer aquele disco de novo, naquela época não deu certo, vamos tentar hoje. Não foi uma procura minha. O DVD com o show sai agora, acho que em agosto. Queremos reeditar também o vinil.

E quais eram esses questionamentos religiosos?
Eu acredito e acho que a história de Jesus Cristo muito bonita, mas não vejo a história de Deus como a Igreja conta. Ainda não sabemos se existe nem que forma tem. Acho que a Igreja usa muito a fé e necessidade das pessoas para explorar isso aí. Sou batizado na Igreja Católica, mas, depois dos 18 anos, estou no mundo e tenho meu próprio conceito sobre isso. Na verdade, isso é um paralelo a todos cidadãos. O filho de José e Maria somos todos nós, não especificamente era Jesus Cristo. Mas aquilo, na época, foi tomado como blasfêmia. 'Esse cara é um merda, não pode falar isso'.

Mas parece que agora você encontrou seu público...
Quando eu me propus a fazer o disco, todo mundo foi contra. De gravadora a amigos pessoais, todo mundo olhou com desconfiança. A única pessoa que topou foi o Guilherme Araújo, que era meu empresário na época. Eu era um grande vendedor de discos, estava entre os três mais. As pessoas diziam que eu estava jogando minha carreira no lixo e aquilo vazou para a imprensa. Troquei até de gravadora, a fim de achar um clima mais tranquilo, e não consegui. Quando o disco foi lançado até fui ameaçado de ser excomungado da igreja. Foi um absurdo total. O público de um modo geral seguiu a opinião errada: o cara enlouqueceu. O disco foi mutilado, a gravadora mudou toda a ordem das músicas. Fiquei muito chateado na época, deprimido. Vejo hoje que eu devia ter insistido, eu sou isso aqui mesmo, f***-se. Mas parei ali. Sempre toquei minha guitarra, com banda, nunca coloquei orquestra no palco, não sou um cantor de bolero, sou um cantor pop, um cronista que sempre falou da vida das pessoas, eu não falo da pílula, da prostituta, da empregada, eu canto o que eu vejo na rua, da dureza da vida.

E a audiência mais popular? Desistiu de você?
Na verdade, o público antigo continua com o mesmo conceito. Vão ver o cantor da pílula. O público jovem que na verdade está mudando esse conceito. Estou tocando em festival onde só têm jovens. Se tiver mil pessoas, 700 pessoas são jovens, com menos de 35 anos. Eu sou um artista para o público jovem. Toda vez que programam meu show para um público mais velho, a tendência de fracassar é muito grande. Estou convencido que houve uma analise errada sobre meu trabalho. Por que eu me afastei de televisão? As pessoas me convidam, e eu não vou, porque eles querem mostrar o cantor brega, um Odair que não sou eu. Eu sou isso, mas não sou só isso. Se for dessa forma, não me interessa.

Sua história está no livro "Eu não sou cachorro, não", do jornalista Paulo César de Araújo, que resgata a importância dos cantores chamados de bregas. Anos depois, ele viria a ter um livro proibido pelo Roberto Carlos. O que você acha de tudo isso?
Eu gosto do livro, ele chamou atenção pra esse tipo de música e de determinados artistas que sofreram preconceito conceitual. Eu conheço o Paulo, estive com ele outras vezes. Sempre soube que o Roberto era contrário ao livro desde o início. Eu imaginei que não daria certo, como não deu. Eu tenho o livro e não vejo nada demais. Ao mesmo tempo também, o Paulo me disse que ia fazer um livro sobre a obra, mas tem a vida íntima ali.

Quando o assunto da proibição de biografias não autorizadas voltou à pauta houve um paralelo com a censura. Você teve letras censuradas durante a ditadura...
Tive músicas minhas que só foram liberadas depois do regime militar. Em determinado momento, você cria uma autocensura, 'isso eu não vou falar, porque não vai passar'. Acaba que a música não falava de nada. Eles não queriam que a gente cantasse coisas das ruas, e era o que eu fazia. Vi o Paulo César dizendo que o Roberto seria o último censor do Brasil. Nós sabemos que, em vários países, você encontra biografias autorizadas, não autorizadas, e está tudo certo. Já me procuraram para fazer documentário, livro, mas não me interessei. Houve até uma insistência por conta de algumas produções ligadas a Globo Filmes, eles disseram que o que eu não quisesse mostrar, eles não colocariam no filme. Eu disse: 'bicho, se eu for fazer, tem que colocar tudo, se eu usei drogas vai colocar, se eu tive um problema de homossexualismo, vai colocar. Sou contra proibir, mas tem que achar um meio termo. Teve um cara que disse: qual foi o processo que o Roberto Carlos perdeu? Ficou uma coisa assim: não podemos falar de Roberto, por que ele não quer e vai colocar na bunda de todo mundo.

O que você fez na vida que seria o grande chamariz de sua biografia?
Não tem nada grande. Todas as merdas que eu fiz, eu falo, como todo mundo. Eu me perdi, no casamento fui indisciplinado, bebi muito, me afundei nas drogas.

As drogas foram na mesma época do disco?
Fui careta até 1976, por aí. Depois fui para maconha, uma cocaína ali. Isso perdurou por uns 10 anos. Depois virei careta de novo. Mas o maior a loucura é o estado de lucidez.

Sua relação com Roberto não era próxima, mas vocês trabalharam na mesma gravadora durante os anos 70
Naquele momento, entrar na CBS era como entrar na seleção do Felipão. Era a seleção dos melhores. Foi uma sorte muito grande, mas depois que eu entrei, vi que não havia espaço para nenhuma criação que saísse do padrão Roberto Carlos. Todo mundo fazia aquele tipo de música, que não é ruim, era bom, mas era bom para ele. Eu conversava com a Rauzito, que trabalhava na gravadora na época, e que depois viria a se tornar o Raul Seixas, de que devíamos procurar nosso caminho, que aquele ali era o do Roberto. Quando faço "Vou Tirar Você Desse Lugar", a gravadora rebatia: 'Como é que um cantor que fala de prostituta quer ser pop?' Eu dizia: 'Há algo mais rock n' roll do que se apaixonar por uma puta e que eu vou me casar com ela e f***-se? E estou bem acompanhado na história, Jesus Cristo defendeu isso há dois mil anos'. Contrariando as previsões deles, eu vendi mais que todo mundo.

Você agora tem esse espaço. O que anda fazendo?

Estou terminando um disco que vai se chamar "Dia Dezesseis". Eu queria lançar no dia 16 de agosto, que é meu aniversário, mas acho que não vai dar tempo. Ao lado de "O Filho de José e Maria", é meu disco mais pop. É um disco cheio de guitarras. Tem algumas faixas que eu estou a cara do [Rolling] Stones, me divertindo, estou me sentindo o Keith Richards e o Mick Jagger. Ele está muito rock n' roll, porque não tem ninguém se metendo.

Está pensando nesse público novo?
Agora estou pensando em mim. Aquele ali sou eu. Outro dia eu falei algo que me criticaram bastante, mas vou fazer 66 anos, não vou pra nenhum lugar que não seja meu trabalho e minha casa. Velho não sai de casa, não fica em uma praça, velho não tem ânimo, não tem energia. Eu vi o Paul [McCartney] tocando no estádio para pessoas de oito a oitenta anos e fiquei louco. Mas ele toca como se tivesse vinte anos. É isso que eu quero. Estou fazendo um disco pensando nisso. Eu quero a molecada, eu quero os doidões comigo, os malucos. Essa coisa de gente muito correta, pode ficar longe.

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